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Há 18 anos, um escândalo chocou o país, mas também gerou muitos risos, pela comicidade dos acontecimentos: o chamado escândalo dos Anões do Orçamento. O funcionamento do esquema de corrupção era simplório, mas muito eficaz: deputados federais aproveitavam a possibilidade de destinar recursos através das famosas emendas no Orçamento da União para ficar com uma bela comissão. Em muitos casos, o dinheiro era enviado a entidades filantrópicas montadas pelos próprios deputados, em nome de laranjas, para não ter que dividir os repasses federais com mais ninguém. As obras “beneficiadas” ou não aconteciam, ou corriam a passos lentos, sempre com material de quinta categoria. O personagem que se tornou mais famoso na época foi o deputado João Alves, da Bahia, que então se dizia muito sortudo, por “ganhar” seguidas vezes na loteria. Mas o Ceará também entrou no caso, pelo envolvimento do então deputado Carlos Benevides, um dos seis que foram cassados.
Veio à tona então uma entidade filantrópica, a Fundação Amadeu Filomeno, que à época tinha como responsável o ainda hoje deputado federal Aníbal Ferreira Gomes (PMDB). Essa entidade existia e ainda existe por um único objetivo: construir o Hospital de Itapipoca, uma obra gigantesca feita exclusivamente com recursos federais. Aníbal foi eleito sob as bênçãos de Carlos Benevides, que ficou inelegível após ter sido cassado.
Mesmo após o escândalo, tudo continuou como se nada tivesse acontecido. A Fundação Amadeu Filomeno continuou existindo, só mudando o presidente da entidade – agora é José Silveira Ponte –, sem perder os vínculos com Aníbal, tanto que parentes continuaram integrando o estatuto da entidade anos depois. Mais do que isso, Aníbal e outros parlamentares cearenses continuaram remetendo emendas para o projeto (Aníbal, contudo, sempre nega ter qualquer vínculo).
Nem mesmo uma condenação do Tribunal de Contas da União (TCU) foi capaz de acabar com a fundação. Em outubro de 2002, Aníbal e seu irmão Francisco Flávio Silveira Gomes, que também presidiu a entidade, foram condenados a devolver R$ 426 mil aos cofres públicos por causa das irregularidades. Valor até irrisório diante de tudo o que já foi repassado.
Só do Fundo Nacional de Saúde (FNS), desde 2006, foram R$ 5,5 milhões entregues para o hospital. E há outros R$ 8 milhões que recentemente foram aprovados, mas que estão bloqueados, à espera de uma prestação de contas, para depois serem repassados para finalizar a obra, que em princípio era estimada em R$ 4 milhões. Na época do escândalo dos Anões, o repasse havia sido de cerca de R$ 2,6 milhões. E essa liberação aconteceu mesmo depois de a a Fundação Amadeu Filomeno voltar às páginas dos jornais, em 2008, alvo da CPI das ONGs, no Congresso Nacional. Pois é, nada aconteceu depois disso também.
Enquanto isso, 18 anos depois, a população de Itapipoca e dos arredores segue sem ter um hospital. Todos os casos mais graves têm obrigatoriamente de seguir para Fortaleza, superlotando ainda mais a rede de saúde pública da capital. E, ainda assim, as cobranças sobre o hospital nunca concluído seguem tímidas, os repasses vão sendo solicitados e autorizados e muito dinheiro público vai seguindo um destino absolutamente obscuro, sem beneficiar em nada a população. E, para piorar, nem mesmo a conclusão do hospital, se um dia acontecer, deve mudar muita coisa, já que a origem dos custos deve continuar sendo pública, federal, através de emendas. Coisas inacreditáveis que acontecem no nosso País e que explicam um pouco porquê a saúde continua um caos, mesmo diante de tanto dinheiro investido. Quando isso vai acabar?
Cobrar é preciso
Por isso, por mais que pareça “perseguição” da imprensa, é preciso sempre cobrar o poder público sobre prazos e custos das obras. Esse é um direito e um dever da sociedade de um modo geral, na vigilância do destino das riquezas que produz. Cobrar a data de entrega e o início do funcionamento do Hospital da Mulher, das Policlínicas e dos Hospitais Regionais do Estado, do Estádio Presidente Vargas, não é implicância. E é obrigação do gestor público deixar claro todas essas datas e custos, com os possíveis reajustes e a origem do dinheiro. No final, cada centavo desperdiçado ou desviado faz muita falta para quem mais precisa.
Kamila Fernandes - Jornal O Povo