UMA UTOPIA?
Muitos empresários, no passado, tinham uma visão extremamente
diferenciada dos demais, fazendo com que se destacassem. O que se
destacava nesse grupo era o enfoque voltado não somente para o lucro
pessoal, mas, ainda, para o empregado e sua família, atingindo, desta
forma, a comunidade e a sociedade como um todo. Existia, então, para
alguns, uma preocupação muito grande com o bem-estar dos seus
empregados, para que estes, como “moeda de troca”, por assim dizer,
trabalhassem com afinco, tornando-se defensores ferozes do empregador.
Esse, com certeza, é o sonho e a luta de muitas empresas na
atualidade, ou seja, que seus funcionários se transformem em
verdadeiros parceiros, lutando com unhas e dentes na defesa do
empregador, visando, sempre, uma maior lucratividade e um grande
crescimento. Sabemos, na verdade, que na sua maioria esmagadora das
empresas atuais isso não ocorre. Todavia, no passado, como salientamos,
essa era uma realidade vivida por muitos brasileiros.
Mas afinal de contas, o que diferenciava esses empresários dos
demais? Podemos dizer que a visão de alguns era a da “Proteção
Integral”, apresentada pelo Estatuto, só que no enfoque familiar. Isso
mesmo, já nos idos de 1960 essa visão já fazia parte da vida de muitos
e, por incrível que pareça, não com um enfoque apenas estatal, mas,
sim, do próprio empreendedor que, posteriormente, servia das opções do
poder público para a sua continuidade.
Por certo que aqueles que não viveram essa experiência no passado
talvez não entendam essa realidade. Indagamos, desta forma, como se
dava essa proteção? E a resposta é extraordinária, pois era realmente
impressionante a visão do empreendedor, posto que não estava única e
exclusivamente preocupado com o lucro pessoal, mas, sim, com a
manutenção desse lucro, mesmo que em menor quantidade, mas, de forma
prolongada. Assim, a visão do empreendedor era, se necessário, ganhar
menos, mas, por mais tempo. Explicamos.
Como já salientamos, havia, por parte de alguns empresários, uma
visão totalmente diferenciada dos empreendimentos, a qual era
extremamente similar com a visão apresentada pelo ECA. Com essa visão,
o empreendedor, ao elaborar seu projeto para construir, por exemplo,
uma fábrica, não se preocupava apenas em construí-la e, posteriormente,
buscar, no mercado de trabalho, a mão de obra necessária. Sabia esse
empreendedor que somente isso não seria suficiente para que a empresa
fosse um sucesso, havendo, desta forma, uma preocupação muito maior,
muito mais ampla. Desta forma, o que se tinha em mente era uma visão
macro da situação, visto que tinha ele plena ciência de que, juntamente
com a mão de obra necessária para o seu empreendimento, viriam os
núcleos familiares.
Com esse pensamento o que se projetava - e efetivamente se realizava
– era a construção, juntamente com a fábrica, de um bairro residencial,
com casas populares, para que pudesse abrigar todas essas famílias, dos
funcionários que efetivamente seriam contratados. Esses empregados,
assim, uma vez contratados, com registro em carteira, tinham a
possibilidade de adquirir um imóvel residencial, devidamente financiado
pelo Sistema Financeiro de Habitação. Com o trabalho e com a moradia,
próxima ao emprego, tudo ficava mais fácil.
Esse, todavia, era somente o primeiro passo, de muitos que eram
dados, pelo empreendedor que possuía essa visão da “proteção integral”.
Ora, tinha-se plena convicção de que apenas um emprego e uma moradia
não seriam suficientes para a tranqüilidade do empregado e, com isso, a
conquista de ótimos resultados na produção, não somente num curto
espaço de tempo, mas, sim, a médio e longo prazos. Para que esses
resultados fossem alcançados o empreendedor procurava proteger não
somente essa necessidade do empregado, mas, de forma mais ampla, sabia
que essas famílias seriam constituídas de filhos, que, da mesma forma,
necessitariam de cuidados especiais.
Com essa visão e procurando abarcar outras necessidades dos
empregados para que os mesmos se tornassem verdadeiros parceiros, o
empreendedor oferecia, ainda, um plano de saúde familiar completo,
buscando, desta forma, uma maior tranqüilidade para o desenvolvimento
do trabalho. Mas, tinha o empreendedor plena ciência, que somente o
plano de saúde não seria suficiente, pois tornava-se necessário um
local para a utilização desse convênio. Assim, visando a satisfação do
quesito saúde, de forma plena, esse empreendedor, além da construção da
fábrica e do conjunto habitacional, edificava, ainda, um hospital, no
qual todos os empregados e seus familiares poderiam, pelo convênio
integral, satisfazer suas necessidades de saúde.
Desta forma, a mão de obra contratada possuía trabalho, habitação e
saúde. Todavia, apenas esses itens não eram suficientes. Pensando
assim, o empreendedor tinha em mente que essas famílias, compostas
também de filhos, necessitavam de um lugar para brincar e para praticar
esportes, necessidades essas, aliás, conforme previsão Estatutária, tão
necessárias para o bom desenvolvimento dos menores. Com isso, seu
projeto incluía a construção, no mesmo bairro, de uma praça pública,
para a recreação de toda a família, além de um centro esportivo,
contando com campo de futebol, quadra poliesportiva e pista de
caminhada, para que toda a família, inclusive as crianças e os
adolescentes, pudessem viver em plena harmonia, usufruindo de todo o
sistema de lazer e esporte, tão necessário para o desenvolvimento dos
menores e da interação da família.
Além dessas necessidades, sabia perfeitamente o empreendedor que
toda a família necessitava também de cultura, razão pela qual constava
ainda de seu projeto a edificação de um cinema, onde tanto os adultos
como os menores, poderiam assistir filmes e peças teatrais.
Podiam contar, desta forma, com trabalho, habitação, saúde, lazer,
esporte e cultura. Mas, como é cediço, pela visão do Estatuto da
Criança e do Adolescente somente essas conquistas não seriam
suficientes para o desenvolvimento do menor, face previsão da proteção
integral, pela qual nenhum setor da vida dessa categoria poderia restar
desatendido. Assim, com essa mesma visão, só que no âmbito familiar,
tornava-se necessário preencher outras lacunas, razão pela qual
edificava no bairro uma igreja, dando à comunidade um contra-ponto
frente ao mundo, o que é de extrema importância para as crianças e os
adolescentes.
Com trabalho, habitação, saúde, lazer, esporte, cultura e religião,
o círculo ainda não estava fechado, pois outros pontos ainda deveriam
ser protegidos. Por essa razão, o empreendedor ainda levava ao bairro,
toda a infra-estrutura, como asfalto, energia elétrica, água encanada,
esgoto e ônibus urbano. Ainda assim, outros setores da vida dessa
comunidade ainda necessitavam de proteção. Com esse pensamento,
edificava, no bairro, um prédio, onde seria instalada uma delegacia,
para que o Estado fornecesse todo o efetivo policial para que a
comunidade pudesse desfrutar de um local seguro e harmonioso.
Pois bem, mesmo com trabalho, habitação, saúde, lazer, esporte,
cultura, toda a infra-estrutura e segurança, ainda existiam pontos que
necessitavam de proteção. Desta forma, o empreendedor ainda edificava
no local, prédios para futuras escolas, contando, vez mais, com a
participação do poder público para a tarefa. Desta forma, os núcleos
familiares poderiam matricular seus filhos menores, o que revertia em
benefício geral, inclusive para o próprio empreendedor. Através da
educação, próxima ao lar, as famílias poderiam ver seus filhos
crescerem com perspectivas, uma vez que lhes era oferecido o que
denominamos hoje de ensino médio e fundamental.
Ora, as famílias que ali residiam tinham habitação, saúde, lazer,
esporte, cultura, toda a infra-estrutura, segurança e educação, mas,
ainda assim não estavam totalmente protegidas. Pensando assim, o
empreendedor tratava de trazer para o local um supermercado do SESI,
para que os funcionários pudessem adquirir bons gêneros alimentícios e
com ótimos preços. Tratava de trazer, ainda, um açougue, uma padaria,
um armazém, uma loja de tecidos, a preço de custo, uma barbearia,
enfim, todo o comércio necessário para que aquela comunidade se
servisse plenamente no bairro onde morava.
Mas, ainda faltava o que fazer, por incrível que pareça. E, desta
forma, tendo o empreendedor fornecido ao empregado, habitação, saúde,
lazer, esporte, cultura, toda a infra-estrutura, segurança, educação e
comércio próximo, transporte, percebia que ainda estava ausente a
esperança profissional do futuro. Isso mesmo, unindo o útil ao
agradável, providenciava condições para cursos técnicos voltados aos
adolescentes, onde poderiam aprender um ofício – por certo necessário
para o empreendimento -, através de cursos do SENAI.
Com isso, crescia a criança feliz em sua casa, no seio da família,
totalmente estruturada, podendo desfrutar de brincadeiras, esportes,
religião, lazer, cultura, segurança, saúde, habitação, fácil acesso ao
comércio e meios de locomoção, e ainda dispunha, quando da
adolescência, de cursos técnicos profissionalizantes, através do SENAI,
para que pudessem, com o término dos mesmos, adentrar ao mercado de
trabalho, já com uma profissão definida.
Desta forma, esses adolescentes, após o curso profissionalizante do
SENAI, já tinham um emprego garantido junto ao empreendedor, o qual,
por sua vez, sempre era servido de mão de obra especializada, e, em
curto espaço de tempo, o sonho de um casamento feliz e seguro, se
realizava de forma tranqüila e natural.
Esses empregados tinham exatamente tudo que precisavam e sonhavam
para si e seus familiares, uma verdadeira “proteção integral”, tal qual
a prevista no ECA. O resultado não poderia ser outro, senão o de
famílias felizes, lares estruturados, onde crianças e adolescentes
cresciam vivendo em alegria e com muita esperança no futuro. Lucravam
todos, o empreendedor, com ótimos empregados, as famílias, sempre bem
estruturadas, os filhos, com esperança e longe da criminalidade, a
comunidade e a sociedade que colhiam ótimos frutos, e, por fim, o
próprio Estado que não necessitava dispor de enormes gastos com a
recuperação de delinqüentes e desajustados.
Na verdade, muitas vezes o que a criança e o adolescente necessitam
é de, apenas, esperança e perspectiva, o que pode ser dado com a
aplicação da proteção integral prevista no Estatuto da Criança e do
Adolescente, mesmo que pareça essa visão uma utopia.
Todavia, com o decorrer dos anos, o empreendedor foi mudando
gradativamente o seu enfoque, deixando de lado essa visão mais social e
preocupando-se, cada vez mais, com a sua situação pessoal, fazendo com
que esses direitos se perdessem no tempo, resultando, com isso, em
enormes prejuízos para todos os lados. Por certo que a majoração dos
impostos pelo Poder Público e o mínimo de retorno esperado serviu para
agravar ainda mais essa situação.